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Confira entrevista exclusiva com autora de ‘Crianças Francesas Comem de Tudo’

Eu não tenho filhos, então não sei ao certo o que me levou a olhar para este livro e me interessar. O que eu sei é que a partir do momento que li a primeira página de Crianças Francesas Comem de Tudo (editora Alaúde), entendi que não se tratava apenas de um livro sobre crianças: na verdade, ele fala sobre a relação do ser humano com a comida.

A autora, a canadense Karen Le Billon, conta de uma maneira muito leve, mas ao mesmo tempo bastante instrutiva, sobre a temporada que viveu na França e viu todas as suas crenças relacionadas ao ato de comer serem testadas.

Quando se trata de abandonar hábitos alimentares antigos, vejo muita gente apegada a frases como: “se eu comi sempre errado, não é agora que vou mudar”; “não tenho tempo para cozinhar”; “nunca gostei de frutas”; e por aí vai. Quando se tem filho, todas estas certezas acabam respingando neles.

E é aí que começa um ciclo sem fim de concessões, exclusão de diversos vegetais do cardápio e, na mesma proporção, a inclusão dos industrializados, que são bonitinhos, têm um sabor que engana o cérebro e, além de tudo, sáo práticos: a palavra mágica para quem não tem tempo para ir para a cozinha.

O interessante deste livro é que a própria Karen pensava assim – se identificava muito com a cultura americana, do consumo rápido, pouco saudável e artificial. Mas quando viu que as crianças francesas, de fato, comiam de tudo, encarou o desafio de criar uma nova relação com a “comida de verdade”, que resultou em pratos mais saudáveis, saborosos e com pouca coisa industrializada – algo benéfico não só para as pequenas, mas para a família toda.

A seguir, uma pequena entrevista que fiz por e-mail com a autora.

 

Na sua opinião, o que falta para pais e mães alimentarem seus filhos bem?
Esta é uma boa questão, e também complicada. Na verdade este é o tema principal do meu novo livro, Getting to Yum [ainda sem título no Brasil, o livro será publicado em 2015 pela editora Alaúde]. Uma resposta simples é: os pais não têm tempo, dinheiro, habilidades e uma comunidade em que a alimentação saudável é priorizada. A pressão do marketing é outra questão difícil. Essa combinação faz com que seja um desafio alimentar as crianças bem, e também ensiná-los a amar os alimentos saudáveis.

Em São Paulo, minha cidade, uma das maiores reclamações dos pais é a falta de tempo: muitos acabam optando pela praticidade. Você teria como listar 5 dicas de ouro para quem vive este desafio?
1. Planeje com antecedência. Faças sopas de vegetais no fim de semana e congele; elas são aquecidas facilmente para uma refeição. Existem muitas ideias simples de receitas no meu novo livro, a maior parte delas pode ser feitas em grande quantidade e em menos de dez minutos.

2. Cozinhe uma vez, coma duas. Se você está fazendo um prato demorado, faça duas porções. Refrigere ou congele a outra para comer outro dia.

3. Use uma panela de cozimento lento (ou ‘panela de barro’). Ela pode cozinhar algo lentamente ao longo do dia, e você terá uma deliciosa refeição a sua espera na hora do jantar.

4. Não cozinhe todas as refeições. Uma vez por semana, faça um piquenique em casa, com alimentos simples que não exigem muito preparo. Quando fazemos isso, comemos vegetais com molhos, saladas simples, pães deliciosos, pratos frios e frutas fatiadas. Você pode preparar muitas dessas coisas com antecedência, e então servir rapidamente quando chegar em casa.

5. Delegue! Peça que suas crianças ajudem na cozinha. A maioria das crianças com mais de 7 anos é capaz de cortar e misturar coisas. Eles também adoram comer a comida que eles mesmos cozinharam, então essa é uma ótima forma de conseguir que eles comam alimentos saudáveis, poupando-lhe tempo. As crianças mais novas podem fazer outras tarefas como guardar os talheres, colocar a mesa ou dobrar guardanapos. Eles têm um grande senso de realização.

Se eu preparo uma lancheira saudável para o meu filho, mas a maioria das outras mães não. Como convencê-lo a não comer alimentos industrializados?
Este é um problema enorme em muitos países! Muitos leitores decidiram mostrar o livro ao diretor da escola ou a um professor. Muitos relataram sucesso com o aconselhamento da escola aos pais. Muitas escolas, por exemplo, têm como política não permitir doces ou alimentos processados.

Na França, de acordo com o seu livro, as pessoas não sofrem com o hábito de ficar beliscando pequenos lanchinhos ao longo do dia. Quais são as principais dicas para os pais abolirem este costume e, por consequência, os filhos seguirem o exemplo?
Agende um “snack” por dia, e que não seja dentro de uma hora antes de uma refeição. Em outras palavras, as crianças comem quatro vezes por dia: três refeições e um lanche. A partir do momento que começam na escola (ou mesmo os mais novos, na França), isto é tudo que as crianças precisam. Limitando os snacks, você os motiva a comer mais dos alimentos saudáveis oferecidos nos momentos de refeição.

No Brasil, tende-se a se priorizar outros tipos de aprendizado antes da educação alimentar: uma segunda língua, ou um esporte, por exemplo. Você acha que com o crescente aumento dos índices de obesidade infantil na América do Sul, isso tende a mudar?
Os estudos sobre a “ciência do sabor” provam que a alimentação saudável precisa ser ensinada (assim como aprender a ler ou o treinamento no peniquinho). Aprender a comer bem é uma habilidade de longo prazo, tão importante quanto os esportes ou idiomas para a saúde como um todo e o desenvolvimento mental.

Os pais estão cada vez mais preocupados com isso, especialmente (embora não só por isso) por conta do aumento das taxas de obesidade. O aumento do interesse dos pais na alimentação saudável para crianças está em evidência de muitas formas: o crescente número de programas sobre alimentação infantil e os “menus saudáveis” oferecido nas cafeterias das escolas; assim como o interesse de alguns chefs importantes, como o Jamie Oliver.

A taxa de obesidade infantil nos Estados Unidos caiu pela primeira vez em muitas décadas, e parte disso é devido a uma alimentação mais saudável.

Outro hábito bastante comum no Brasil (assim como na América do Norte) é comer por razões emocionais, muitas vezes, para compensar alguma frustração ou o estresse. Como desassociar estas duas coisas, como fazem os franceses?
Comer é social, sensual e agradável, por isso temos associações emocionais. Então, sentir-se satisfeito em comer bem é uma coisa boa! Mas não devemos comer por motivos emocionais: por exemplo, alimentar uma criança cansada ou entediada ao invés de atender suas necessidades. Uma forma simples de evitar a compulsão é agendando os lanches e refeições. Se você tem uma agenda, e não oferece comida em outros momentos, então muitas das razões emocionais ligadas à comida serão eliminadas.

A cultura francesa é muito democrática quando o assunto é alimentação: diferentes classes sociais têm acesso ao mesmo tipo de comida. No Brasil, isso não acontece. Você acha que é possível fazer nossa própria “revolução alimentar”, mesmo sem o apoio do governo?
Esta é uma ótima pergunta. Alimentos naturais não processados são mais saudáveis do que os industrializados, então não é preciso muito dinheiro para comer de forma saudável. No entanto, a pobreza é um grande problema para muitas famílias.

A ironia trágica de muitas sociedades contemporâneas é que algumas crianças estão sub-alimentados (e sub-nutridos), enquanto que outros estão sobre-alimentados (e também sub-nutridos). Como mudar isso? Uma estratégia é mudar de atitude, valorizar os pratos tradicionais e a “comida de verdade”, ao invés dos alimentos industrializados.

Outra forma é mostrar solidariedade, abordando os principais desafios que as famílias enfrentam. Aqui no Canadá, nós temos programas de educação alimentar nas escolas (concentradas em áreas de baixa renda), por exemplo. Existe também uma tendência de jantares compartilhados ou troca de comida: famílias se encontram e comem juntas, economizando tempo e dinheiro e criando um senso de comunidade. Organizar um pequeno grupo de famílias para uma “cooperativa de alimentos”, a fim de comprar alimentos a granel (a preços mais baixos) também é uma ótima idéia.

Se isso não existe no Brasil, espero que as pessoas me contatem para fazer mais perguntas. Eu adoraria compartilhar ideias e dar alguns exemplos. Sei que o Brasil tem uma história longa e impressionante de democracia participativa e de envolvimento de comunidades. Também gostaria de ouvir sobre exemplos de brasileiros!

Karen Le Billon é defensora da “comida de verdade”

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