Do meu apartamento, ouço o carro anunciando.“Alô, alô, freguesia. Chegou o carro do ovo! São 30 ovos por 8 reais. Isso mesmo! TRINTA ovos. OITO reais!”. Fiquei maravilhada a primeira vez que ouvi, afinal, costumo pagar este mesmo preço por apenas dez ovos caipiras no hortifruti.
A preguiça de descer e conferir o produto era grande, assumo. Mas a pulga estava plantada atrás da minha orelha. De onde será que vêm esses ovos?
Essa semana, o destino nos uniu: eu entrava com o carro na garagem quando a frase ecoante se materializou na minha frente: porta-malas aberto e muitos, muitos ovos. Quando fui me aproximando, ouvi que os ovos vinham da “cooperativa dos trabalhadores não sei das quantas.” E então deu-se o seguinte diálogo:
– Moço, esse ovo é caipira?
– Não, não. É de granja.
– Ahhhh..tá. Mas ele vem da “cooperativa dos trabalhadores não sei das quantas?” (pensei comigo: já que vou comprar ovo de granja, que eu pelo menos ajude um grupo de pequenos produtores).
– Não, não…
– UÉ. Então por que o senhor está anunciando assim?
– Ah, é porque todo mundo me conhece dessa forma e aí fica mais fácil.
Hoje, 20 de maio, é celebrado o Food Revolution Day (*). E, aproveitando a data, convido você a repensar um pouco as escolhas que vem fazendo no quesito alimentação.
Voltando aos ovos: não comprei. E não estou aqui para julgar a postura do vendedor: eu não conheço a história dele e imagino que esteja fazendo o melhor para manter um trabalho digno que lhe renda algum lucro.
O meu ponto é: está cada vez mais difícil saber de onde vem a comida que colocamos na mesa.
Não sou nenhuma especialista em ovos, nem em galinhas, mas passei a consumir ovos caipiras após assistir alguns documentários – entre eles, o Food Inc (#fikdik) – que denunciam maus tratos pesados em granjas: muitas empresas, que visam apenas o lucro, não respeitam o bem estar do animal.
As galinhas muitas vezes são mantidas em condições horrorosas, se alimentando apenas de ração, estimuladas a botar mais ovos do que a sua natureza permitiria. Entupidas de hormônios, para desenvolver o peito tão valorizado por nós no mercado.
Já os animais criados no campo têm uma alimentação mais diversificada e natural. Crescem livres e se reproduzem de acordo com condições impostas apenas pela natureza, não pelo homem.
Pode parecer um papo meio “hiponga” mas para mim é importante saber que as escolhas que faço na minha cozinha impactam de alguma forma o planeta. Devo dizer que sou uma pessoa normal com todas as limitações de alguém que mora numa grande metrópole: trânsito, falta de tempo, pouco equilíbrio entra a oferta de alimentos naturais e industrializados.
Sendo assim, não tenho condições de checar a procedência de cada item que compro no mercado, na feira ou na rua. Mas se eu puder questionar e fazer melhores escolhas, why not?
Respeitar o alimento é importante, senão o ato de comer entra no automático e, assim, perdemos cada vez mais a conexão com a comida.
Para quem tem interesse em ampliar um pouco a consciência em torno deste papo hiponga, eu hoje dou duas dicas (além do Food Inc citado acima).
A primeira delas é o canal do Youtube Comer o Quê?, que traz pílulas curtinhas de um documentário que leva este mesmo nome, dirigido por Leonardo Brant. Participei de um encontro em que o filme foi exibido e discutido com pessoas envolvidas com o tema “alimentação”. Conversando com o diretor, descobri que o material completo ainda não tem previsão de chegada aos cinemas, mas por este canal você consegue assistir as principais entrevistas colhidas.
São nutricionistas, agrônomos, simpatizantes da causa como um todo e cozinheiros como Alex Atala , Helena Rizzo, Neka Menna Barreto e Bela Gil, que extrapolaram as barreiras da gastronomia propriamente dita para levantar a importância do ingrediente, da procedência, da simplicidade ao cozinhar. Se você curte o tema, consuma estas pílulas sem moderação!
Minha outra dica não é diretamente ligada à comida, mas ao consumo. O documentário The True Cost, disponível no Netflix, gira em torno dos abusos na indústria da moda: a urgência do fast fashion, o consumo sem limites, as condições terríveis em que trabalhadores se submetem para atender à demanda do mercado, as plantações de algodão transgênico que adoece populações…
De onde vem o que vestimos? De onde vem o que comemos? O frango que você compra é criado em uma granja nojenta e sem estrutura? A roupa que você usa tem rastro de trabalho escravo? O que roupa tem mesmo a ver com comida? Tudo.
(*) Food Revolution Day é uma iniciativa do chef britânico Jamie Oliver, com ações em várias partes do mundo. O objetivo é ampliar a consciência sobre a alimentação, e ele compra muitas brigas: por educação escolar na escola, pela diminuição do desperdício de alimentos, pelo acesso à comida saudável, entre outras. Ano passado, escrevi um texto a respeito. Leia aqui.