Às vezes fico pensando que eu poderia ter chegado em Harvard se tivesse dedicado aos estudos o mesmo tempo que gastei, ao longo da vida, cuidando da minha imagem. E olha que não sou das pessoas mais vaidosas do mundo. Não vou a salões de beleza, não faço tratamentos estéticos, nunca fiz plástica e a última vez que passei esmalte na unha faz uns seis meses. Por outro lado: frequento academia, aplico creme no rosto todo dia (de manhã e à noite); sempre passo, além do protetor solar, pelo menos um blushezinho e um rímel antes de botar a cara no sol (e jamais durmo de maquiagem); lavo o cabelo diariamente, faço depilação a cada quinze dias….Frequentemente também perco uns bons minutos antes de sair de casa com dúvidas sobre o que vou vestir.
A ideia aqui não é limitar os cuidados com a beleza à uma simples futilidade. Também não estou dizendo que ser desleixada é o caminho para a felicidade suprema.
Apenas constatei, especialmente nos últimos anos, que muitas dessas rotinas que segui a vida toda no modo automático nada mais são do que uma construção dos meios em que vivi.
Um desses insights veio quando comecei a morar aqui em São Francisco e, pouco tempo depois, fiz uma porrada de amigos brasileiros. É uma turma grande, e a maioria das mulheres tem a minha faixa de idade – estão entre os 30 e 40 anos.
Comecei a reparar no estilo das mulheres. A primeira preocupação aqui, percebi logo nos primeiros contatos com a mulherada, não é usar um look lacrador, mas sim, estar CONFORTÁVEL. Por vários motivos.
Um deles é que a gente faz muita coisa a pé ou de bike, então, sapato alto é um artigo que simplesmente não faz parte da nossa rotina. É só tênis pra cima e pra baixo.
Segundo que aqui venta muito, e é um vento muito gelado, então, a temperatura é mais pra fria do que pra quente. Logo, por mais maravilhosa que seja a nossa roupa de baixo, sempre vamos ter que sair usando um casaco “corta-vento” por cima que acaba com qualquer look.
Citei esses dois motivos porque, agora, racionalizando, eu percebo que isso não é um problema pra mim nem para as mulheres que convivem comigo.
Talvez eu tenha dado muita sorte na escolha das amigas, mas o fato é que essa coisa de roupa não entra muito na pauta. Não é uma preocupação, sabe?
E todas parecem lindas aos meus olhos porque percebo que estão confortáveis e quentinhas com suas roupitchas. ❤
Outra coisa que eu notei logo de cara foi o lance das unhas. Aqui, manicure é caro. Então, geralmente a mulherada deixa pra fazer a unha quando tem um evento, ou quando vai viajar, coisas do tipo.
De novo: estou falando com base nas minhas amigas, e não generalizando. É que convivendo com elas é que tive esses insights.
Algumas delas fazem em casa, outras simplesmente cortam e, quando têm tempo de passar um esmaltezinho, ok. Mas quando não tem, tudo bem também!
Minha mãe foi manicure e esteticista a vida toda. E, portanto, muito do arroz com feijão que me sustentou foi graças à essa indústria da beleza. Além de garantir minha sobrevivência, a profissão da minha batalhadora mãezinha também permitiu que eu tivesse o luxo de fazer unha, depilação e, quando dava tempo, até uma drenagem linfática dentro da minha própria casa.
Quando chegava ao trabalho, a cada segunda-feira com um esmalte novo, me sentia confortável para ir a uma reunião, a um evento, fazer uma entrevista, ou simplesmente digitar ou anotar algo diante de alguém. Não queria mostrar desleixo, queria provar que tudo ali estava sob controle. Cutícula bem tiradinha; nenhum borrão; nenhuma lasquinha descascada.
Hoje eu fico feliz quando tenho um tempinho para passar esmalte. As unhas ficam tão lindas! Esse autocuidado é uma delícia. Adoro brincar com as cores. Amo o peso de um esmalte preto. A sensualidade de um vermelho-queimado. A good vibe que transmite um esmalte azul-bebê.
Mas hoje fico ainda mais feliz em saber que NÃO SOU OBRIGADA. Quando minhas mãos estão limpinhas, somente com as unhas cortadas, mas sem esmalte, elas não me causam nenhum tipo de desconforto.
Me sinto apenas mais uma no meio das minhas amigas que não teve tempo de parar pra passar nem um esmaltezinho.
Esse é um exemplo muito pequeno e completamente inofensivo (por isso, ilustrativo) das incontáveis regras que colocamos a nós mesmas para atender um padrão social que é aceito como “bonito” ou “correto”.
Mas será que não vale a pena rever essa rotina exaustiva de tempos em tempos pra tentar separar o que realmente TE FAZ BEM do que você faz no modo automático?
Ou saber diferenciar o que realmente pode trazer um benefício a longo prazo em termos de longevidade, de uma necessidade extrema de se manter linda e jovem por toda uma vida? (Spoiler: não dá!).
De repente, a gente pode até dominar o mundo. ?
Deixo aqui um Ted Talks maravilhoso com a Renee Engeln, que é autora do livro “Beauty Sick: How the Cultural Obsession with Appearance Hurts Girls and Women” e grande pesquisadora na área de imagem corporal. A fala dela tem tudo a ver com essa minha viajada aí.