Quando eu morava no Brasil, eu morria de vontade de tomar leite de amêndoa, desses industrializados que vêm em embalagens lindas. Eu lembro que, na época, quase caí de costas quando descobri que uma caixa custava em torno de 25 reais. Nunca comprei. Na verdade eu até poderia comprar, mas me recusava. Eu sempre frequentei feira, sacolão, horta, empório, mercadões, etc. Eu sempre soube o valor das coisas.
Quando cheguei aqui o susto foi bom: no mercado onde costumo fazer minhas compras, o leite de amêndoa custa U$ 1.99. Tudo bem que o dólar a essa altura tá o que? Oitenta reais? Mas ainda assim, imagine que para uma pessoa que mora aqui, e ganha em dólar, gastar dois doll numa caixinha de leite de amêndoa não vai deixar ninguém mais pobre.
Acho essa diferença um pouco revoltante. E uso o exemplo do leite vegetal porque ele é apenas um dos incontáveis produtos que apareceram nas prateleiras nos últimos anos como alternativas para quem quer excluir alimentos de origem animal do cardápio.
Não demorou para o veganismo passar a ser visto por algumas pessoas como algo elitizado, como se tirar itens do cardápio (carnes e derivados) pudesse encarecer a conta do supermercado. Não seria o contrário?
Veganismo popular vem com força!
A parte boa é que nessa onda também começaram a ganhar relevância nas redes pessoas que levantam a bandeira do veganismo popular.
Não sou vegana, nem mesmo vegetariana, mas já tem um tempo que venho tentando consumir proteína animal de forma mais consciente e moderada. Então, acabo seguindo diversos perfis que postam quase que diariamente pratos de dar água na boca e sem nenhum tipo de carne.
Um deles é o Vegano Periférico, dos gêmeos Leonardo e Eduardo Luvizetto, que moram na periferia de Campinas – SP. Na semana passada, saiu um documentário sobre a história deles, que você pode assistir de graça no Youtube.
Além de compartilhar na rede pratos belíssimos e multicoloridos, eles evidenciam a questão social por trás da causa, mostrando que é possível fazer uma refeição nutritiva sem ter que investir em produtos super caros. Aliás, uma das principais motivações dos dois é justamente desvincular o veganismo dos produtos industrializados e lembrar as pessoas que a base dessa alimentação está na feira, na horta.
É bizarro perceber o quanto a indústria se apropriou dessa causa e transformou coisas simples, como um leite de amêndoa (gente, é deixar de molho, bater e coar), em “artigos de luxo”. Deixou tudo com cara de “comida de rico”.
Na era dos recebidinhos, as marcas se esbaldam plantando o desejo nas pessoas por meio das influencers e suas refeições instragramáveis. É fato que o desejo existe desde que o mundo é mundo; a desigualdade social também. O problema é quando esse tipo de elitização afasta as pessoas da causa e até distorce os verdadeiros propósitos por trás do movimento.
O prato no centro das atenções
Como comida também é comportamento, vale a pena ouvir a experiência dos gêmeos dentro de uma sociedade carregada de preconceitos. No documentário, eles fazem a conexão entre o consumo de carne e o machismo (ligação que eu nunca tinha feito até ler o livro Fominismo, da jornalista francesa Nora Bouazzouni). É inacreditável pensar que tem gente que ainda acha que pra ser visto como “machão” é preciso ser o rei do churrasco. Isso sem contar o tanto de homofobia que está implícito nesse raciocínio. Masculinidade frágil, é disso que estou falando.
Outro ponto interessante é a preocupação que as pessoas têm com o prato alheio (não compreendo). Eles comentam que quando fizeram a transição muita gente demonstrou uma aparente preocupação/curiosidade com relação a uma possível deficiência nutricional que eles pudessem vir a ter ao mudar a dieta. “O maluco que tá rangando arroz, feijão, carne, ou calabresa, ou batata frita, ele não se preocupa se vai comer uma salada, um legume. Ou seja, tá cheio de deficiência nutricional ali, mas ninguém tá ligando”, observa Eduardo.
Penso que essa patrulha tem a mesma essência de quem insiste em perseguir e criticar os corpos gordos: “se está gordo, é porque está comendo ‘errado'”. Existe tanto preconceito e desinformação nesse tipo de pensamento que renderia um outro texto, até porque obesidade é um tema super complexo.
Mas o engraçado é que com gente magra não rola essa preocupação, né? Ninguém se importa se uma pessoa magra come verdura, se evita fritura e açúcar. Ninguém supõe que a pessoa magra possa estar com algum problema de saúde; pode ter um distúrbio alimentar, pode ter depressão, ou estar com algum problema maior que esteja tirando seu apetite…ninguém pensa nisso porque passamos a nos pautar por imagem. E o padrão magro, o vigente, é inquestionável.
O ideal seria cada um se preocupar com seu próprio corpo, com próprio seu prato, e evitar julgamentos.
Convite: que tal deixarmos cada um viver do jeitinho que quiser? Vamo aê? 😉
Saiba mais
Se você se interessa por esse tipo de assunto, recomendo que leia a entrevista que fiz com a antropóloga Maíra Bueno sobre a elitização da comida saudável. Foi feita há dois anos, mas ainda é atual. E se estiver precisando de algumas ideias, tenho várias receitas sem carne aqui no site! Aí vão algumas:
Salada de macarrão com molho de manjericão, limão e parmesão: simples, leve e gostosa
Veja receita de risoto de couve-flor com molho agridoce de tomatinho
Torta fácil de abobrinha e mussarela: super recheada e cremosa
Delicioso e fofinho: veja receita de pão de mel integral com cacau em pó
Inspire-se!
Uma forma bem eficiente de mudar hábitos alimentares é aguçando o nosso paladar através da visão! Olhar pratos caprichados e coloridos enche a boca de água e a cabeça de ideias. Aqui vai uma listinha de perfis de veganismo popular que eu sigo. Enjoy!
@veganoperiferico
@crismaymone_nutri
@ecofada
@veganismo_simples
@sapavegana
@thallitaxavier
@vivendo_de_alface