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Eu acho que pirei

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A quarentena fez minha saudade do Brasil quadruplicar e um dos “presentes” que eu me dei foi uma assinatura do Globoplay. Eu evitava assinar por medo de me apegar às novelas e passar muito tempo ouvindo o idioma português (aconteceu). 

Amo minha língua, mas me forço a treinar o inglês na maior parte do meu tempo, para que eu fique cada vez melhor. Coisa de gente nerdinha e perfeccionista. 

Um belo dia, caí no documentário que conta a história da dupla Sandy & Júnior. Nunca fui fã assumida, mas gosto muito de saber a história das pessoas e esta série é praticamente uma biografia da trajetória profissional dos dois. Mal pisquei, terminei. Nem vi o tempo passar.

Fiquei fascinada com o profissionalismo daquelas crianças, com a seriedade, com a lucidez de não se comportarem em nenhum momento como dois deslumbrados escrotos – como tanta gente com bem menos fama acaba se transformando.

Bom, independente do seu gosto musical, é preciso admitir: o sucesso destes dois não foi uma alucinação coletiva; foi algo bem real.

Turu turu turu

Se você estava vivo no Brasil entre as décadas de 90 e 2000 você bem sabe cantarolar boa parte das músicas de Sandy & Junior, mesmo que, como eu mesma fiz alguns parágrafos acima, se defenda com a frase “nunca fui fã”.

Na verdade eu nunca me permiti prestar muita atenção na dupla porque eu tinha uma certa vergonha, achava que não era coisa da minha idade. 

Minha irmã é cinco anos mais nova que eu, então, pra ela, tava tudo certo cantar “turu turu turu” enquanto tirava o pó dos móveis e pensava no crush (história real), pois ela estava entre seus 15, 16 anos. Agora eu, com 20, 21…já na faculdade? Pegava mal, né.

Eu sabia cantar todas, afinal, era aquele CD o dia inteiro tocando em casa. Mas não acompanhava a carreira da dupla, assim, de perto.

No entanto, sempre me incomodou o exagero de curiosidade em torno da Sandy. Achava surreal o tanto de holofote em cima dela, afinal, era uma menina crescendo diante das câmeras.

Tão perfeitinha

Existia uma pressão muito grande em torno de detalhes íntimos da vida amorosa de Sandy. Era uma perseguição infinita da imprensa pra saber se ela tinha dado o primeiro beijo, com quantos caras já tinha ficado, quando ia transar pela primeira vez, e daí pra baixo.

Eu ficava horrorizada com aquela especulação já naquela época, e, hoje, assistindo ao documentário, ficou ainda mais claro que o que ela enfrentou não foi fácil. 

Também me irritava muito a coisa da dualidade que pintavam entre ela e outras meninas que se destacavam no cenário pop musical da época. Sandy era colocada como a perfeitinha, a virgem, a “menininha”. 

Na época, quem fazia “oposição” frequentemente era Wanessa Camargo, colocada como a bad girl, a revoltadinha, a que quebrava as regras. 

Nem acho que ela quebrava tanta regra assim, mas enfim, era essa a história que nos contavam. E certamente tinha muita gente lucrando com essa narrativa. 

Competição feminina: tão démodé, mas tão atual

Claramente essa dualidade foi inventada pela mídia para vender disco e revista. As duas já deram várias entrevistas esclarecendo que essa rixa entre elas nunca existiu. 

A comparação talvez tenha nascido do fato de serem filhas de sertanejos, e ambas cantarem. 

Mas parava por aí mesmo: elas tinham estilos musicais diferentes, personalidades diferentes, histórias diferentes. Não fazia nenhum sentido a comparação. 

Mas a competição feminina vende, assim como fizeram com Ivete e Claudia Leitte, Xuxa e Angélica e tantas outras. E essa narrativa infelizmente está mais viva do que nunca. Esses dias mesmo vi isso aqui no Twitter: 

Katy Perry: Grávida / Nicki Minaj: Grávida / Beyoncé: 3 filhos / Rihanna: zzzzzzz

Como se a vida da mulher fosse uma grande e eterna competição e quem cumprir o check-list da vida perfeita ganha. 

Pelo amor de Deus, né, gente. Vamos parar de dar palco pra esse tipo de assunto.

Não quero ser Sandy!

Enfim, no auge dos meus 20, 25 anos, tudo que eu NÃO queria era ser parecida com a Sandy. Muito certinha pro meu gosto. Muito boazinha. Muito delicada. Muito DISCIPLINADA.

Lembro que um dia, almoçando com os amigos do trabalho, um colega começou a falar mal da Sandy, D-O N-A-D-A, assim, como os homens hétero adoram pegar uma mulher pra Cristo sem razão alguma. Eu não tive coragem de defendê-la. 

Fiquei quieta, não queria passar a impressão que – Deus me livre – achassem que eu compactuava com uma forma tão correta de levar a vida. 

Lembro que nessa época Sandy era praticamente um adjetivo para determinar se uma menina estava sendo “boa moça” demais. “Ih, olha ela, toda Sandy”. Como se ser disciplinada e “certinha” fosse uma fragilidade.

Mas aí eu vi o documentário. E hoje, prestes a completar 40 anos e um pouco mais ~madura~, me sinto apta a defendê-la. 

A Sandy não tem nada de frágil. Eu jamais aguentaria a pressão de ir a um programa de TV e ser questionada sobre a minha virgindade, por exemplo.

Hoje, um pouco mais velha, não vejo mais “ser menininha” como algo ruim. Depois que entendi um pouco mais sobre feminismo, não acho nada relacionado à feminilidade como um defeito, e sim, como uma FORÇA. 

Sandyane, um estilo de vida

Claro que o documentário mostra apenas um lado da Sandy, não convivi com ela para saber como ela é quando tira o rímel (será que isso acontece?!?), o delineador de gatinho (marca registrada), e anda descalça pela própria casa. 

Mas o pior é que eu me identifiquei com vários comportamentos Sandyanes. Eu sou certinha, reservada, estudiosa, e levo muito a sério meus projetos. 

Frequentemente sou perfeccionista (nem sempre); e sou muito disciplinada – apesar de Satanáries, meu ascendente é Virgem, então adoro uma planilhinha. 

Gosto de ter uma certa rotina para enxergar as coisas com mais clareza. Adoraria dizer o contrário; acho super wild e transgressor quem consegue viver no caos e entregar algo pro mundo no fim do dia. Eu não consigo.  

E deu para notar que a Sandy também não consegue (tamo junto, amiga!), porque nitidamente boa parte do sucesso dela se deve ao fato de ela ser uma pessoa disciplinada; de ser uma pessoa “certinha”. 

Então, Sandy, hoje eu te entendo. E se nem você, que sempre mostrou o seu lado mais doce diante das telas, agradou a todo mundo, quem sou eu para querer agradar. Olha aí: mais uma coisa que eu aprendi com você. 

Obs.: Peço que repassem até chegar nela, ou vou ser obrigada a escrever uma carta de metro. 😜

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