Eu li 21 livros em 2020. Para algumas pessoas, esse número pode parecer altíssimo. Para outras, apenas normal. Há ainda um terceiro grupo que achará essa informação simplesmente desprezível. Tudo vai depender do repertório de quem, por um acaso, resolver fazer as contas de quantos livros leu esse ano, e, então, comparar a própria marca com a minha.
E se você está fazendo isso nesse momento, já se perguntou se esse hábito da comparação, como se a vida fosse uma grande e infinita competição, te faz bem?
Já tem um tempo que descobri que comparar-se com os outros é uma completa roubada. Lendo algumas coisas sobre esse tema – e fazendo muita terapia – aprendi que o mais indicado para não nos frustramos seria nos compararmos apenas com nós mesmos. Com o seu eu do passado, seja a sua versão de dez anos atrás, seja sua versão de ontem. Afinal, quem melhor do que eu mesma para dizer se 21 livros em um ano é algo bom, mediano ou ruim?
Ninguém, além de mim mesma, sabe quantas páginas tinha cada livro. Eram finos ou grossos? Tinham letras miúdas? Ou grandalhonas, com muitas fotos e figurinhas? Eram complexos, cabeçudos? Ou romances leves, água com açúcar? Eram em inglês?
Também só eu saberei dizer se de fato absorvi o conteúdo, ou se li quase dormindo. Se eu leio dois ou três livros ao mesmo tempo, ou se termino um inteirinho para começar outro. Se estou com tempo de sobra, ou, ao contrário, super atarefada, e por isso criei uma meta pessoal para acordar todo dia às 5 da manhã e ler duas horas por dia antes do café.
Só eu sei todos os fatores que me permitiram ler 21 livros esse ano. E quando comparo euzinha somente comigo mesma, confirmo que é um número bom: definitivamente li mais do que no ano passado.
O problema está na superfície
Na Psicologia, a “Social Comparison Theory“, desenvolvida pelo psicólogo Leon Festinger em 1954, discorre sobre a necessidade do ser humano de avaliar seu próprio valor com base nos sucessos e fracassos dos outros.
Acho que nem todo mundo tem esse hábito, e, acredito que a maioria das pessoas que o faz, é de forma inconsciente, muitas vezes sem o menor intuito de competir realmente com seu interlocutor. Mas na era do Insta e do TikTok, onde a vida de todo mundo é exposta, material para comparação é o que não falta.
Só que o que a gente vê nas redes, ou mesmo em uma conversa superficial com um amigo, é basicamente o resultado, e não o processo. Isso ficou muito nítido pra mim ao longo de algumas conversas que tive com amigas durante essa quarentena infinita. Uma delas demonstrou frustração quando eu disse que, na pandemia, me tornei a “doida dos cursos”. Ela suspirou fundo e disse que não está com tempo nem de ler, nem de estudar.
Mas na sequência me contou sobre 300 projetos profissionais, e também dos novos aprendizados da filha, cada dia mais esperta! Disse ainda que, junto com a família, vem tentando fazer a transição para o veganismo, o que tem demandado mais tempo dela na cozinha, na pesquisa por receitas, e em todos os erros e acertos que esse tipo de mudança acarreta em uma casa.
A minha vontade era dar um abraço nela e dizer: “amiga, você faz muito! E cada vez que eu falo com você sinto que está tentando ser a melhor versão de você mesma! Pare de se cobrar!” Ao mesmo tempo, são esses mesmos conselhos que eu gostaria de ouvir de mim mesma.
Comparação, frustração e ansiedade
A comparação com os outros não traz nada de bom e rouba muito tempo e energia, a menos que você use isso em seu favor. Por exemplo, ouvi dizer que Naomi Wolf escreveu simplesmente o MITO DA BELEZA aos fucking 26 anos (repito: VINTE E SEIS). Não sei se a informação procede, mas fiz umas continhas aqui e o livro foi lançado em 1990, quando ela tinha 28 anos, então suponho que nos anos anteriores ela estava completamente imersa nos estudos para escrever esse ÍCONE de livro.
Se eu for me comparar com Naomi por uma perspectiva despretensiosa, posso dizer que nessa idade eu estava dançando zouk no Carioca Club e administrando dois ficantes ao mesmo tempo (oi oi oi). Mas se eu quiser ressaltar meu lado “responsável aos 26”, posso dizer que, entre meus rolinhos amorosos e a pista de dança, eu também me esforçava muito para conciliar um trabalho na Vila Olímpia, morando em São Caetano do Sul.
Isso me custava, sei lá, 400 horas semanais no trajeto (às vezes de carona, às vezes de trem), e ainda assim eu inventava mil cursos pra fazer, era bolsista em escola de dança, fazia trabalho voluntário aos sábados, e arrumava um jeito de guardar um dinheiro para realizar o sonho de passar uma temporada em Londres (by the way, consegui realizar aos 27).
Ou seja, tudo é ponto de vista. Sendo assim, eu tenho duas alternativas: parar de escrever agora mesmo e desistir; ou fazer uma análise profunda de como posso me tornar uma melhor escritora a cada dia, mirando na Naomi.
Go big or go home
A doutora Susan Biali Haas, especialista em saúde mental, escreveu um artigo bem interessante no site da revista Psychology Today com algumas dicas para quem quer sair desse ciclo da comparação. Uma das recomendações que eu achei mais legais é se perguntar o que exatamente você está comparando. Uma viagem? Um bem material? Uma foto de um momento aparentemente perfeito? Uma taça de champa diante de um pôr-do-sol? Isso tudo é tão efêmero e facilmente manipulado no Instagram para parecer algo memorável….Sabe? Sem tempo, irmão.
Não me entenda mal: todo mundo tem o direito de querer ter a champa, a viagem, a roupa, o abdômen trincado, a rotina perfeita de skincare (zzzzz), ou o que quer que seja. Eu também quero, às vezes. Mas tenho tentado escolher bem em quem mirar. Senão a gente acaba perdendo um tempo danado com qualquer Zé Lelé que aparece no feed, e isso não traz nada de produtivo.
Por isso, lanço mão dessa expressãozinha em inglês – Go big or go home – que traduzo aqui livremente como: “se não sabe brincar, nem desse pro play”.
Se for pra entrar nesse jogo de comparação, quero jogar grande. Quero escrever igual a Naomi Wolf. Quero chegar aos 50 com o corpo da J-Lo. Deal. Eu que lute para conseguir isso nos próximos anos.
Portanto, sem tempo pra me estressar porque fulana furou a quarentena e tá hashtagcomosmelhoresamigosdomundo, ou a influencer “x” resolveu posar com a bolsa nova que custa o equivalente a 12 meses do meu aluguel. Nem de bolsa eu gosto.
Se for pra entrar no jogo da comparação, que seja olhando pra cima, mas pra cima MESMO, com olhar de admiração e respeito para aquelas pessoas que possam verdadeiramente me inspirar e me puxar pra cima. Naomi, J-Lo: conto com vocês, gatas. 😉
REFERÊNCIAS
How to Stop Comparing Yourself to Others
https://www.psychologytoday.com/us/blog/prescriptions-life/201803/how-stop-comparing-yourself-others
Social Comparison Theory
https://www.psychologytoday.com/intl/basics/social-comparison-theory