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Gordofobia nas festas de fim de ano: saiba como combatê-la

Luzes de Natal em tom abstrato, remetendo às festas de fim de ano e um ambiente acolhedor.

Fim de ano é época de celebrações, mas também de desconforto para quem enfrenta os impactos da gordofobia. Frases como “Você vai comer tudo isso?” ou “Nossa, você emagreceu, está tão bonita!” parecem inofensivas, mas reforçam julgamentos que afetam tanto pessoas gordas quanto aquelas que vivem com medo de engordar.

Com o intuito de incentivar um fim de ano mais acolhedor para todos, conversei com Néliane Catarina Simioni, jornalista, pesquisadora e criadora do podcast “Isso não é sobre corpo”. 

Além de explorar frases comuns que devemos evitar, ela traz reflexões e dicas práticas para criar um ambiente mais empático neste Natal. Afinal, celebrar deve ser sobre alegria e conexão! Confira a seguir.

Pra que falar sobre peso?

DB: Por que os comentários sobre peso ou aparência física são tão frequentes em encontros familiares?

Quando eu li essa pergunta, eu me lembrei de um enunciado relacionado ao Freud, que diz algo como “família é um caldeirão de loucuras”. A gente é levado a construir relações do tipo “meu” pai, a “minha” mãe, a “minha” filha, “minha” irmã. Como se fôssemos donos desse outro. E falta de delimitação do que é de cada um nos leva a às vezes a comentar livremente sobre o corpo do outro.

Além disso, socialmente o corpo gordo é visto como público; não só pessoas da nossa família se sentem autorizadas a fazer comentários. Muitas vezes a crítica também vem disfarçada de cuidado, do tipo: “estou falando isso pela sua saúde”. 

DB: Como isso afeta emocionalmente quem os recebe?

Isso gera um sentimento de incapacidade e inadequação; além da culpa. O senso comum diz que a pessoa é gorda porque não se cuidou o suficiente, é descontrolada, não consegue ter uma alimentação correta e não faz atividade física. 

É como se não empenhasse o suficiente para ser magra. E essa é uma falsa ideia, porque estamos falando de biotipos diversos. Na natureza, por exemplo, no reino animal não é tudo semelhante. É uma ilusão todo mundo almejar um único tipo de corpo, sempre haverá diversidade. 

A gordofobia que mora em todos nós

DB: Quais frases ou comportamentos comuns reforçam a gordofobia nas festas de fim de ano sem que as pessoas percebam?

Tudo que está atrelado ao comportamento excessivo relacionado só à pessoa gorda é desconfortável quando a gente escuta. Coisas do tipo “ai, tô fazendo gordice”; “malhei até aqui, por isso eu posso”; “eu como desse jeito mas é só hoje”. A impressão que dá é que essa pessoa acha que nós, pessoas gordas, fazemos isso diariamente, o que não é verdade. 

Além disso, tem os comentários mais diretos: “nossa, você deu uma engordadinha?”, “você não acha que essa roupa tá marcando a sua barriga?”; “nossa, mas você não tem vergonha de mostrar o seu braço?”, “acho que tá na hora de começar uma dieta, passando esse final de ano, vamos começar uma dieta junto?”. 

E tem ainda o temido “linda de rosto”, que acaba sendo uma marca pra quem escutou isso por toda a adolescência, como é meu caso. O que está no subtexto dessa frase é: “pena que seu corpo é todo errado”. 

DB: Como responder a comentários gordofóbicos sem transformar o Natal em uma discussão desconfortável?

Desde que comecei a me posicionar como uma mulher gorda com orgulho, não tenho recebido esses comentários gordofóbicos. Mas até então acontecia com frequência: as pessoas me recomendavam dieta, controlavam o que eu comia, o que eu bebia, a quantidade, se repetia ou não. 

Isso me desestabilizava muito e eu tentava responder de forma passivo-agressiva, e aí virava um clima desconfortável. 

Hoje eu simplesmente respondo no deboche, eu uso da ironia. “eu sei que estou gorda, mas você está pagando minhas contas?”. É basicamente um jeito de falar que a vida é minha. Uso o humor para tentar colocar a pessoa no lugar dela.

Nessa era da imagem que vivemos, é difícil estarmos desconectados da nossa imagem. A gente se vê no espelho, nas telas, nas redes. Então a gente já sabe se a gente engordou ou emagreceu. Não precisa que uma outra pessoa nos diga sobre isso. 

Incentivando ambientes mais empáticos

DB: E quando o comentário é em tom de fofoca, sobre o corpo de outra pessoa. Como intervir de maneira educada para que esse tipo de assunto não ganhe força?

Recorrendo ao bom senso. Pergunte: “você gostaria que tivessem fazendo fofoca sobre o seu corpo, do seu filho, do seu marido? Não? Então não façam sobre o de outra pessoa. 

Não sabemos as razões que levaram alguém a ganhar ou perder peso. Tendemos a acreditar que se ela está emagrecendo, é porque está buscando isso. E não necessariamente. A pessoa pode estar passando por alguma doença, um processo de depressão, ou estar vivendo alguma coisa muito íntima que não é da conta dos outros. Assim como quando alguém está engordando. Então não comente. 

Se estiver acontecendo uma fofoca, fale que você não tem interesse, se coloque no lugar do outro, exercite a empatia. Procure não fazer com o outro o que você não quer que façam com você. 

DB: Para quem quer apoiar familiares e amigos que sofrem gordofobia, que ações ou palavras podem fazer a diferença nesse período?

Em primeiro lugar, ofereça acolhimento à pessoa gorda que foi ofendida. Não duvide do que ela sente, ofereça escuta para que ela possa desabafar em um espaço seguro, em que se sinta respeitada. 

E no dia a dia é muito importante a gente escutar as pessoas gordas, que são muito silenciadas. O que nós falamos e pensamos não costuma ser validado. 

Então se você não tem uma pessoa gorda no seu círculo de amizades, se pergunte: será que você não conhece nenhuma pessoa gorda? Por que você não tem nenhum laço mais íntimo com uma pessoa gorda? O que uma pessoa gorda pode te oferecer? Eu tenho certeza que vai ser um outro universo muito acolhedor, amoroso e de muita vivacidade.

DB: O que podemos fazer para tornar as festas de fim de ano um espaço mais acolhedor para pessoas gordas?

Não diferenciando pessoas gordas e pessoas magras. Estamos em um contexto de final de ano, de celebração e união, não tem porque fazer essa diferenciação. Não tem porque você olhar pra sua prima gorda, por exemplo, e achar que ela é diferente porque ela é gorda.

E um outro ponto é procurar perceber onde está a nossa própria gordofobia. 

DB: Eu justamente queria falar sobre isso, sobre essa gordofobia que está dentro de todos nós. É comum ouvirmos frases do tipo “estou tão gorda”, às vezes até mesmo de mulheres que estão dentro do padrão. 

Quando você fala essa frase em um tom de cobrança e de punição, se inferiorizando, você por consequência inferioriza a pessoa que é gorda e está no mesmo ambiente que você. A gordofobia passa por essa culpabilização, como se ela não tivesse seguido o manual de como ser uma pessoa magra. 

Existem pessoas que são gordas, altas, baixas, brancas, pretas. Vamos procurar a beleza dentro de tudo isso; ampliar um pouco o nosso olhar. As pessoas são diversas, os corpos são diversos, e essa é a beleza na verdade. 

DB: De que forma isso afeta as pessoas gordas? E de que forma isso é prejudicial para a própria pessoa, e para a sociedade como um todo, no final das contas?

A gente se sente um lixo! Você, meu parente, alguém que eu acredito que me ama, está praticamente falando que tem pavor de ser como eu. 

Eu sempre digo que a gordofobia não é um problema das pessoas gordas, a gordofobia é um problema de todos nós e de toda a sociedade. As pessoas gordas sofrem cotidianamente por conta dessa gordofobia e não só no aspecto emocional, a gente sofre estruturalmente. 

É por conta da gordofobia que não existem cadeiras adequadas pras pessoas gordas em espaços públicos; catracas de ônibus e de metrôs; poltronas nos aviões e cinemas. Elas também têm menos propostas para empregos; e no campo afetivo são preteridas. 

Por isso a gordofobia internalizada faz com que as pessoas tenham medo de ser gordas. E isso pode transformar momentos de alegria em momentos de angústia. 

Por exemplo, nas festas do final de ano: se você está junto aos seus, celebrando, mas está o tempo todo pensando: “não posso comer isso, não posso comer aquilo”; “amanhã tenho que gastar todas essas mil calorias porque eu não posso ser gorda”.  Será que desse jeito você tá curtindo de verdade o momento? Tudo o que diz respeito a você é medido só pelo seu peso, pelo número de jeans que você veste? 

É óbvio que isso não é uma apologia à gordura. Mas vamos respeitar o nosso corpo, ele tem condições de se adaptar. E nesse contexto de festa, que a gente come um pouquinho mais, na semana seguinte ele próprio vai se regulando. 

As pessoas magras têm um verdadeiro pavor de engordar. Quem ganha com isso é o sistema, que continua lucrando com a cultura da dieta, com a gordofobia, com a pressão estética.

DB: Por fim, se você pudesse dar um conselho a quem tem o hábito de comentar sobre o corpo dos outros, qual seria?

Repense: por que você gosta de comentar o corpo dos outros? Talvez você acredite que seu corpo corresponde a um ideal? E isso volta pra você como um elogio? Ou o contrário: você não se sente adequada? Esteja atento, procure construir uma relação mais respeitosa com seu corpo. Porque eu acredito que se você ultrapassa esse limite comentando sobre o corpo do outro, é porque algum limite interno com você também já foi ultrapassado. 

Vamos mudar o mundo por meio da leitura?

O combate à gordofobia é um dos temas do meu livro, o Além do Like. Dentre tantas opressões que nós, mulheres, sofremos, a gordofobia é uma das principais, porque afeta a todas, mesmo as que se encaixam no padrão.

Viver com medo de engordar é uma prisão. E a gente só muda isso quando ampliarmos nosso olhar e aceitarmos que os corpos são diversos!

Se você tem interesse em saber mais sobre o assunto, adquira seu exemplar. É só me enviar uma DM pelo Instagram.

Leia mulheres!

Dani Barg com o seu “Além do Like” na Feira do Livro de SP, 2024 | Foto: Bruna Araújo

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